"Num mundo em que os negócios jurídicos sem movem com
extrema celeridade, haja vista as necessidades em que o homem vive, na busca de
maximizar os resultados, ou seja, obter o máximo com o mínimo de esforços, é
imperativo a criação de leis que fortaleçam a ideia da boa-fé contratual, sob
pena de infringir a dignidade da pessoa humana. Frise-se, que “a dignidade, como qualidade intrínseca da
pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica
o ser humano como tal e dele não pode ser destacado”. Consubstanciado também na
boa-fé contratual, o Código Civil Brasileiro determina que os contratos de
seguro se pairem na “mais estrita boa-fé e veracidade”, conforme se vislumbra
em seu artigo 765.
Neste prisma, os
contratos de seguros, em especial os seguros privados, objeto do presente
estudo, devem obediência a boa-fé contratual, respeitando-se não só o
consumidor, mas a sociedade como um todo, em especial aqueles que tem seu
direito infringindo mesmo não participando da relação contratual, na qual
denomina-se terceiro beneficiário. Primeiramente nos reportamos ao direito
tutelado neste tipo de contrato, que é a proteção econômica, o resguardo de
maiores prejuízos aos envolvidos, inclusive pessoa indetermináveis quando da
celebração do contrat
A ideia do seguro é
posta como “uma espécie de rede jurídico-econômica que nos protege contra os
riscos a que estamos expostos”. Com efeito, o instituto do seguro, revigora-se
não apenas no sentido exclusivamente individual como antes concebido, “pelo
fato de não serem direito apenas no interesse próprio, mas “direitos orgânicos”
(Karl Larenz)
Portanto, o seguro,
em especial o seguro privado, insere-se na seara do chamado Direito Social,
ideia acolhida pela Carta Magna ao dispor acerca da Ordem Econômica e
Financeira, em especial o artigo 170, V. Nesse sentido, Marçal Justen Filho é
assertivo ao descrever a disciplina da atividade empresarial frente à Ordem
Econômica da Constituição Federal de 1998, assim pronunciando:
“Assim, o valor fundamental assumido pela
Constituição é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Todos direitos de
natureza econômica e relacionados com a atividade empresarial têm pertinência
com esse postulado e não podem ser a ele contrapostos.
As faculdades de desenvolver atividades
econômicas e de buscar o lucro são instrumentos de realização da dignidade de
todas as pessoas humanas envolvidas, sejam os empresários, sejam os demais
integrantes da comunidade (direta ou indiretamente relacionados com a empresa).
Contudo, as seguradoras, instituições
dominante frente à vulnerabilidade e não raras vezes a hipossuficiência do
consumidor, travam verdadeiras batalhas quando se deparam com sinistros
ocorridos em veículos segurados, pois erroneamente confundem a qualidade de beneficiário
na pessoa do contratante/proponente.
Destacamos a
importante lição firmada por Fran Martins, em sua obra Contratos e Obrigações
Comerciais, no sentido de que “beneficiário é quem efetivamente receberá da
seguradora a importância relativa ao prejuízo; tanto pode ser beneficiário o
próprio segurado como uma terceira pessoa...” Destaca-se ainda ser o contrato
de seguro, forma ad probationem, direção esta, aliás sinalizada pelo art. 759,
CC:“Art. 759 – A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita
com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do
risco”.
Os elementos essenciais indicados no artigo
acima se tratam do veículo, objeto do seguro, e não do segurado, entendimento
este pacífico pelos Tribunais Pátrios, conforme colhemos o seguinte julgado:
"Era o veículo que se encontrava segurado, independentemente de quem era o
condutor, conforme ficou acertado no próprio contrato...Esse inclusive é o
entendimento majoritário da Corte Distrital” (Autos 2002.01.1.031222-4,
proferida pelo Ilustre Magistrado Jerry A. Teixeira, da 10ª Vara Cível de
Brasília-DF).
É sabido que os investimentos pelas seguradoras são
organizados para gerar lucros, não se preocupando com a dignidade da pessoa
humana, a justiça social, a finalidade objetivada no contrato. Inúmeros são os
casos sub judice em que à parte Autora vem a ser um terceiro estranho a relação
contratual, indeterminável quando da celebração, contudo determinável quando do
sinistro, sendo ainda aquele quem arcou com os prejuízos advindos do sinistro,
face da delonga na solução administrativa em determinar o reparo no veículo
segurado, em virtude dos inúmeros empecilhos gerados pelas seguradoras.
O que pior é que as seguradoras martelam a ideia da ilegitimidade deste terceiro, em sede de preliminar, alegando que o beneficiário do seguro é o proponente, sequer admitem a ideia de pessoa indicada pelo proponente ou seja o terceiro já indicado quando da proposta. Firmam ainda a ideia das características do segurado (perfil) com escopo de fortalecer a ilegitimidade do terceiro não indicado no contrato, com verdadeiro escopo de locupletar-se ilicitamente.Porém, tais alegações ventiladas pelas seguradoras, vêm sendo modificadas pelos Tribunais Pátrios.
Em recente julgamento o Tribunal de Justiça de Mato Grosso
pronunciou-se no sentido de que mesmo que haja mudança no perfil de motorista
do veículo segurado, a empresa deve pagar a indenização. Tal entendimento é da
1ª Câmara Cível, na qual condenou uma empresa seguradora a indenizar um
beneficiário de seguro, não havendo quebra de contrato, se pronunciando da
seguinte forma:
“EMENTA – RECURSO
DE APELAÇÃO – CONTRATO DE SEGURO – MODALIDADE PERFIL DO SEGURADO – DEVER DE
VERACIDADE E DE ABSTENÇÃO DE AGRAVAMENTO DE RISCOS – CONDUTOR DIVERSO –
EXCLUSÃO DO DEVER DE INDENIZAR – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – DESCUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÃO CONTRATUAL – INCIDÊNCIA DO CDC – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ –
DANOS MATERIA E MORAL – CABIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.
Em brilhante decisão,
o STJ resguardou os interesses de um terceiro, estranho a relação contratual,
para acionar o seguro, mesmo não tendo havido a comunicação de transferência do
veículo, se pronunciando no seguinte sentido:
EMENTA – CIVIL. SEGURO FACULTATIVO. TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO A SEGURADORA. A só transferência de titularidade do veiculo segurado sem comunicação à seguradora não constitui agravamento do risco. Na hipótese, como retratado pela decisão recorrida, não houve má-fé por parte do anterior e do atual proprietário do veiculo no que seja atinente à sua transferência, não tendo havido, objetivamente, ofensa aos termos do contrato, pois ausente qualquer comprovação de que a transferência se fizera para uma pessoa inabilitada, seja técnica ou moralmente.” (Resp. 188.694 – Min. César Asfor Rocha).Importante destacar ainda que a relação entre a terceiro/beneficiário e seguradora caracteriza uma relação de consumo, tendo aquele suportado os prejuízos advindos do sinistro.
Isto porque as
seguradoras se enquadram na qualidade de fornecedores, por disporem seus
serviços a sociedade no âmbito de seguros, conforme o próprio Código de Defesa
do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, afirma se tratar de relação de consumo:
“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Já na outra ponta
se vislumbra a qualidade de consumidor do terceiro beneficiário, conforme
preconiza o artigo 2º, § único do CDC, na qual: “equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”. Inclusive tem sido este o entendimento do STJ, que assim
já se pronunciou:
“CIVIL E PROCESSO
CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. BENEFICIÁRIO.
OCORRÊNCIA. ART. 1.098, CC. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.II – As relações
jurídicas oriundas de um contrato de seguro não se encerram entre as partes
contratantes, podendo atingir terceiro beneficiário...
IV – O terceiro
beneficiário, ainda que não tenha feito parte do contrato, tem legitimidade
para ajuizar ação direta contra a seguradora, para cobrar a indenização
contratual prevista em seu favor. (Resp. 257880-RJ (2000/0043135-4) – Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira.E prossegue com o voto do Ilustre Ministro:Na
verdade as relações jurídicas oriundas de um contrato de seguro não se encerram
entre as partes contratantes, mas podem atingir terceiros beneficiários...
Assim também em Caio Mário da Silva Pereira:
“...Na de execução, o terceiro assume às vezes do credor, e, por isto, tem a
faculdade de exigir o solutio.”.
Não menos
brilhante, o Ministro César Asfor Rocha, relator do caso em análise, assim
pronunciou-se: “...vamos por atalhos obter melhor a reparação, depois, a
companhia de seguros que questione, se for o caso, com o seu segurado”.
Portanto, podemos identificar o fornecedor exigido pelo art. 3º do CDC, e o
consumidor, no caso em estudo, o terceiro beneficiário.
Conforme exposto, o
ordenamento jurídico vem se curvando na ideia da proteção dos terceiros
estranhos à relação contratual, nos contratos de seguro, na qualidade não só de
beneficiários, mas também de consumidores (artigo 2º, §único, CDC), consubstanciado
na finalidade do próprio contrato e, desta forma, os terceiros prejudicados
podem fazer-se presente em face da posição dominante das seguradoras, que
buscam sair ilesos dessa relação, e, consequentemente locupletando-se
ilicitamente.
Portanto, fica evidente a legitimidade ativa dos terceiros
para figurarem na condição de beneficiário, e, consequentemente, restituídos
dos prejuízos causados nos sinistros, envolvendo o veículo segurado.
SARLET,
Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1998.
CAVALIERI
FILHO, Sérgio. A trilogia do seguro. In: Anais do 1º Fórum de Direito do
Seguro. São Paulo: Max Linonad, 2000, p. 86.
FILHO,
Marçal Justen. Empresa, Ordem Econômica e Constituição. RDA, Rio de Janeiro,
212/109, abr./jun. 1998, p. 117.
MARTINS.
Fran. Contratos e obrigações comerciais. 14. ed. Rio de Janeiro:Forense,
1999."
Autor: RICARDO DELGADO PRETI
Texto publicado no site LEGO CURSOS. Acesse original aqui.
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